terça-feira, 29 de março de 2011

A cigana - ou como funciona o futuro

- Posso ler sua mão minha filha - disse uma velha cigana de longas roupas coloridas interrompendo pensamentos nada importantes de Marina. Como estava sem pressa e sempre tivera a vontade de saber que futuro a palma de sua mão guardava (apesar de não acreditar muito nessas coisas), a moça consentiu e esticou a mão para a velha que prontamente pôs-se de pé envolvendo a mão da jovem na sua.
- Você terá um futuro muito próspero, terá sucesso na sua profissão, e, posso ver aqui, que encontrará um grande amor... - seguiu profetizando a cigana enquanto mostrava com a ponta de uma unha vermelha as linhas da mão de Marina - essa linha mostra que você vai ter algum problema de saúde, mas não será coisa séria, vai dar tudo certo e você ainda vai viver muitos e muitos anos depois disso.
E aquela aura esotérica foi tomando conta do ambiente e fazendo com que Marina, apesar de considerar-se descrente, começasse a acreditar naquelas palavras, afinal, que bobagem poderia estar falando aquela senhora tão cheia de rugas?
Em uma pequena pausa do discurso da velha, Marina aproveitou para perguntar "e filhos? Vou ter filhos?". "Claro", disse a cigana, "você vai ter um menino que vai se chamar Pedro.
Toda cheia de si, Marina seguiu seu caminho para nunca mais encontrar aquela mulher.

***

Anos depois, já na maternidade, com seu filho recém-nascido nos braços, Marina disse ao marido:
- Vai se chamar Pedro.
E por todos os anos que se seguiram, todos que a conheciam ouviram falar da magnífica história da Cigana que adivinhou o nome do seu filho.

domingo, 27 de março de 2011

Entre idas e voltas (é que se faz o caminho)

Quando se está há tanto tempo sendo levado pelas estradas, sendo soprado pela rosa dos ventos, perder-se não é algo inimaginável, pelo contrário, é esperado como qualquer outra certeza. E assim tem sido os últimos anos: sem bússolas ou mapas, com o norte sendo decidido a cada momento de acordo com a direção em que as folhas das árvores - mãos e dedos da brisa - tem me mostrado.
Por anos - todos os que vivi - venho andando, seguindo trilhas, construindo novos caminhos, sempre esperando encontrar algo no fim da jornada. A verdade é que nunca me importou o que estaria lá me esperando, apenas a idéia de que haveria algo sempre foi suficiente. Até agora.
Agora que estou aqui, não no fim, mas em mais uma destas paradas que a gente faz pelo caminho, vejo olhando nos seus olhos que não só não existe nada me esperando, como também não existe o fim.
Muitos que estavam à beira da estrada, e que acenaram para mim, disseram "está procurando se encontrar", mas agora que encontrei a resposta certa, na próxima vez em que trocarmos cumprimentos e acenos direi "estou procurando me perder".
E assim despeço-me pois tenho que continuar a me perder. Mas tenha calma. Assim como cheguei aqui hoje, chegarei também outras vezes porque toda ida é sempre uma volta. E eu voltarei.

______FIM_______

EU VOLTEIIIIII POVO!!!!

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Por mais que a gente tente...

Assistindo a “500 dias com ela” me lembrei de “Apenas uma vez”, um outro filme, aí me lembrei de antigas idéias que não são exclusivamente minhas, mas que compartilharei com vocês.

Atenção: usarei como exemplo as “relações amorosas”, mas isso cabe para (quase) qualquer situação!

Quantas vezes encontramos o “par perfeito”, aquela pessoa que temos certeza que é A pessoa. Bom, às vezes essa pessoa também pode pensar que somos A pessoa dela. Às vezes não. Mas o que vemos é que não dá certo.

Seja um “verdadeiro amor” (se é que isso existe), seja só pegação (isso sim existe), algumas coisas não dão certo. Aí, vocês, digo, nós humanos com todo nosso intelecto, assumindo a pose de animais racionais que somos nos colocamos a tecer teorias sobre o porquê de não ter dado certo. Para os mais românticos não eram almas-gêmeas; para os mais esotéricos, não era pra ter dado certo; para os que se sentem culpados, foi sua culpa; para os egoístas (stricto sensu), foi culpa dela e para os racionais demais, foi a unha do dedão que era quadrada e não arredondada...

É claro que em muitos casos existe sim uma razão (a unha do dedão fala muito sobre o caráter de uma pessoa), mas eu estou falando aqui de casos em que simplesmente, sem mais nem menos, não dá certo, não acontece. Busquem pela memória, vocês irão encontrar seus próprios exemplos, sejam com vocês ou com amigos/conhecidos.

Algumas coisas não acontecem simplesmente porque não acontecem, e ponto. É isso mesmo, não é difícil de entender. Recentemente tive de me convencer disso. Não aconteceu por que não aconteceu. Sim, teria sido ótimo se tivesse dado certo, afinal, a vida vale a experiência, mas não aconteceu. Até podemos ser os comandantes dos nossos próprios navios, mas com certeza não somos do navio dos outros. Sim, o infernos são outros, já dissera Sartre.

Enfim, por mais que a gente tente, algumas coisas não acontecem.

domingo, 3 de outubro de 2010

Ela e a lua




Deitou-se ali mesmo, naquele chão de terra batida coberto por algumas folhas secas – as últimas a caírem. Cruzou os braços por trás da cabeça, fazendo uma espécie de travesseiro, flexionou as pernas, acomodou-se naquela posição e ficou ali, parada como um cartão postal, uma estátua olhando a lua cheia.
A brisa suave que soprava e acariciava-lhe a pele branca e macia arrancava com uma brutal delicadeza o cheiro da terra abaixo de suas costas e o levava direto para suas narinas, como quem deseja dar um recado sem palavras.
Por um minuto – aquele em que encontrava-se ali – esquecera porque tinha saído correndo deixando todos a esperando, esquecera porque em sua face ainda escorria uma lágrima, só lembrava-se da lua.
Nunca foi uma amante da noite nem da lua, gostava mais do dia, da claridade, de poder enxergar as pessoas. Gostava de pessoas. Mas naquela noite sentia-se diferente, via-se transformando em alguém diferente, em uma pessoa que para para olhar a lua. Gostava desta nova pessoa.
Não se sentia sozinha já que tinha a companhia de sua mais nova amiga, e juntas conversaram, riram e choraram sem que nenhuma palavra tivesse sido dita.
Íntimas, quase conseguia tocar o luar que iluminava tudo ao redor.
E ao fim da eternidade que se seguiu de confidências trocadas e amizade selada, levantou-se e seguiu seu caminho com a certeza de que a partir de agora a lua a olhava de volta.

* Sem gracinha, mas foi o que consegui por hoje... depois volto com algo melhor!

sábado, 4 de setembro de 2010

Aos cinéfilos

Vi esse vídeo e gostei tanto que tive que postar. Porém, admito que se você não conhecer um pouco de cinema, não vai ter tanta graça assim, BUT... Aí vai!

* Dedico este post a Maristela, uma amiga cinéfila.

sábado, 14 de agosto de 2010

A cicatriz das asas



Até o momento em que ouvia-se os toques do despertador, aquela tinha sido uma manhã comum, como todas as outras. No entanto, no exato instante em que seus pés magros e chatos sentiram a frieza do chão ao pé da cama, toda a normalidade desapareceu.
Examinava-se maravilhado no espelho. Um par de asas que saíam de suas costas, logo abaixo dos ombros e estendiam-se até a altura dos joelhos faziam agora parte de sua anatomia. Penas brancas e macias agora compunham aquele corpo jovem, mas já cansado, formando uma espécie de intermediário entre aves e humanos, um anjo, ou apenas o que realmente era – um homem com asas.
Nenhum minuto sequer foi perdido. Com certa dificuldade subiu na janela de seu quarto, deu um impulso com as pernas e no mesmo segundo estava subindo em direção às nuvens – a manhã estava perfeita para voar. E foi o que fez. Subiu o máximo que pôde, desceu em queda-livre, planou com as correntes de ar, brincou com pássaros e com outras pessoas aladas que encontrou pelo caminho, e no fim da tarde voltou para casa extasiado e dormiu a noite toda de uma só vez.
Já no outro dia, sabia bem o que queria fazer: preparou uma mochila com coisas que precisaria e saiu para conhecer o mundo. Nunca imaginou que pudessem existir tantos lugares incríveis como os que viu em sua jornada, na verdade, não acreditaria nem em fotos se não tivesse visto com os próprios olhos. Meses e memórias depois, voltou para casa e descansou.
Os dias foram passando, mas não sem serem aproveitados. De volta a sua cidade, tudo que fazia era com a ajuda de suas asas, para todo lugar que ia, era voando. A melhor época de sua vida.
Em outra manhã comum, ao acordar, viu que suas asas não estavam mais onde deveriam. Seu corpo voltara a ser o de um humano ordinário – jovem, mas cansado. Sobre a cama, um único vestígio do passado: uma única pena branca repousava perdida entre os lençóis amarrotados.
Sem saber o que fazer, colocou o pé esquerdo sobre o chão – o frio era insuportável – e, em prantos, olhou-se no espelho procurando por algo, nem que fosse uma cicatriz, mas nada encontrou. Em seu corpo não havia uma marca sequer daquilo que nos meses anteriores tinha ocorrido.
Desesperado, andou de um lado para o outro, esmurrando as paredes e amaldiçoando a vida, até que deixou-se cair no chão gelado em um canto da casa. Ali soube o que fazer: reuniu todas as forças que jamais imaginou que tivesse, engoliu uma garrafa de vodka junto com a dor e arrancou suas duas pernas. Jamais andar novamente seria a cicatriz daquele que um dia soube voar.